Meu nome é Guilherme. Quando completei 19 anos resolvi me mudar para um apartamento no centro da cidade. Eu tinha terminado meus estudos um ano antes e, por enquanto, não queria cursar qualquer faculdade.
O apartamento não era lá grande coisa, mas era ótimo pra mim.
No dia em que eu estava mudando pra lá, conheci uma
garota linda. Seu cabelo era liso e escuro, os olhos eram castanhos e o sorriso
dela modificava o rosto de qualquer um que estivesse por perto.
- Deve ser novo por aqui não é? – disse quando me
viu na sua frente com as malas.
- Sim, acabei de chegar. – coloquei as malas no
chão e estendi minha mão direta à ela. – Guilherme, prazer.
Ela apertou minha mão e sorriu.
- Marina. O prazer é todo meu Guilherme. – então
ela soltou minha mão e me encarou. – Eu moro aqui na frente, então acho que
vamos nos ver bastante. Se precisar de alguma coisa é só pedir. Estou indo
trabalhar, até mais.
Ela estava indo até o elevador e eu não resisti.
- Acho que preciso de um emprego. Se souber de
algo, me avise, por favor. – eu estava sorrindo. Ela virou-se pra mim e acenou
com a cabeça. Entendi como um sim.
Passei a manhã toda tentando arrumar as coisas
naquele apartamento. Por mais que ele fosse pequeno, eu não estava conseguindo
organizar quase nada ali. Alguém tocou a campainha. Era minha namorada, Nicole.
Preparei algo para comermos e passamos o resto do
dia juntos. Era interessante como ela gostava de falar do sapato que queria
comprar, dos vestidos, brincos e colares exageradamente caros. Ela não
perguntou como eu estava me sentindo ou se eu estava gostando daquele lugar,
Nicole era fútil e, isso, estava começando a me incomodar de um modo que nunca
imaginei.
Quando ela foi embora a acompanhei até o elevador e
Marina estava ali. Ela passou por mim e disse um oi. Nicole me deu um beijo e
partiu.
Voltei para o apartamento e fiquei deitado no sofá, pensando na
vida. A campainha tocou novamente e deduzi que Nicole tinha esquecido algo.
Enganei-me. Marina sorriu e disse que precisava falar comigo.
Permiti que ela entrasse e então ela começou a
falar.
- Guilherme, eu trabalho num restaurante que fica
aqui no centro mesmo; estão precisando de alguém que saiba pilotar moto e faça
as entregas. Eu falei de você e só preciso saber se você aceita. E aí?
Eu adorava pilotar motos; seria o emprego perfeito,
por enquanto.
- Eu aceito sim. Quando começo?
- Acho que amanhã mesmo. Pode ir lá pelas nove da
manhã, assim que eu for. Podemos ir juntos se quiser.
- Eu quero sim! Obrigado.
Depois disso ela saiu e só nos vimos no dia
seguinte.
Estávamos trabalhando juntos e nos tornamos grandes
amigos. Quase todo dia, íamos até o terraço do prédio e ficávamos ali,
conversando, olhando as estrelas e fazendo planos pro futuro. Ela me ouvia
falar do decadente relacionamento entre Guilherme e Nicole, me dava conselhos e
eu entendi o significado de um ombro amigo. Para qualquer coisa que eu
precisasse, ela estava ali. Suas palavras me faziam um bem enorme e ouvir a voz
dela era algo realmente magnífico.
Quando já estava tarde demais, ela cantava uma
canção pra mim enquanto eu estava deitado em seu colo: “I will never let you
fall, I’ll stand up with you forever, I’ll be there for you through it all,
even if saving you sends me to heaven!”. (The Red Jumpsuit Apparatus – Your
Guardian Angel)
- Há quanto tempo você e Nicole estão juntos? –
perguntou uma noite dessas.
- Já faz uns três anos, se não me falha a memória.
- Você a ama?
- Eu gosto muito dela mas somos completamente
diferentes. Marina, por que você não ta namorando ainda?
- Ah Guilherme, eu sou meio louca e não quero
obrigar ninguém a ficar sofrendo comigo. Tenho minhas crises e prefiro ficar só
com elas. Não quero um namorado; pelo menos não agora. Entende isso?
- Acho que sim.
- Sou complicada de entender, mas acho que com o passar do tempo
alguém vai me decifrar. Já pensou em suicídio? – não entendi o por quê dessa
pergunta.
- Umas vezes, mas não teria coragem para fazê-lo.
Somos vencedores e se você faz algo do tipo se torna um perdedor. A vida está
aí e você tem que ir até o fim, mas sem antecipá-lo. É o que eu penso.
- Eu considero como vencedor aquele que sabe a hora
certa de desistir.
- Hum… Você não acha que o suicídio é algo egoísta
demais? Quer dizer, a pessoa se mata por causa do seu sofrimento e deixa outras
pessoas sofrendo aqui. Não acho isso legal, mas não julgo ninguém.
- Talvez seja. Vamos mudar de assunto?
- Ta.
Marina dizia ser louca e eu estava começando a
acreditar nisso.
Quando chegavam os finais de semana, Nicole e eu
saíamos para qualquer lugar que ela quisesse. Como sempre, ela só conseguia
falar de si própria e das coisas que estava usando e que gostaria de usar.
Fomos até uma sorveteria e vi Marina com um homem
(ele sempre ia ao restaurante falar com ela). Nicole e eu nos sentamos em uma
mesa e ficamos ali chupando sorvete. O homem beijou Marina e meu estômago
revirou ao ver aquilo. Eu queria sair o mais rápido dali, senti ciúmes. Coisa
de amigo.
- Aquela é sua vizinha não é? – parabéns Nicole,
você acertou!
- Sim. Vamos embora? Eu não estou muito bem.
Fui pra casa e não parava de pensar naquela cena.
Ela disse que não queria um namorado, mas por que aquilo? Por que eu estava
pensando nisso? Eu não sabia o que estava acontecendo.
No dia seguinte não conseguia olhar diretamente pra
ela. Eu estava bravo e arrogante. À noite Marina tinha dito que faria uma festa
no apartamento para comemorar seu aniversário. Pediu para que eu fosse e que
levasse Nicole, se eu quisesse.
A festa estava ótima até eu ver o homem que beijou
Marina. Tentei não pensar em nada.
- GUILHERME! Olha só o que sua amiguinha fez! – o
vestido de Nicole estava encharcado de suco.
Peguei Marina pelo braço e a levei até o canto da sala.
- Qual o seu problema? – perguntei enfurecido.
- Como assim Guilherme? Foi um acidente. Não queria
derrubar nela. – ela não conseguia me olhar.
Soltei gargalhadas e seus olhos estavam
lacrimejando.
- Ah claro que não! Desculpa senhorita “eu nem me
importo com a sua namorada”! – estava apertando cada vez mais forte seu braço.
- Você ta louco! Solta meu braço, ta machucando!
Cheguei meu rosto mais perto do dela e olhei
diretamente em seus olhos.
- Você é a louca aqui, não esquece disso! – soltei
o seu braço e fiquei sem compreender o que tinha feito.
Chamei Nicole para que fossemos embora e, depois de
sair com ela, voltei ao meu apartamento. Percebi que a festa de Marina já tinha
terminado.
Ao abrir a porta, notei que no chão havia um
bilhete. Peguei-o e reconheci a letra de Marina:
“Guilherme;
Quando você estiver lendo esse bilhete talvez já
seja muito tarde pra mim. Eu não sei o que fiz para você me tratar daquele modo
e me magoou profundamente. Acho que é hora de eu dizer o que realmente penso.
Sabe, é estranho e confuso. Você se tornou um grande amigo; eu tenho alguém
para contar meus problemas e isso é ótimo. Como você e eu sabemos, ‘eu sou
louca!’. Meus sentimentos por você se confundiram e eu quero você comigo, não
como amigo. Entenda que já pensei muitas vezes em tirar a Nicole de você e te
roubar pra mim; mas isso não será mais preciso. Estou no nosso lugar de sempre
esperando tomar coragem para fazer o que mais desejo. Espero que não fique
bravo comigo, você foi um anjo na minha vida! Pena que eu não sou nada e nem ao
menos tento ser. Não se importe comigo, pois não vai fazer diferença.
Eu te amo,
Marina.”
Larguei o bilhete no chão e corri o máximo que pude para chegar
ao terraço. Só de pensar em não a ver mais, meu coração estremeceu. As lágrimas
já estavam escorrendo no meu rosto; eu não conseguia respirar. Quando cheguei
ao terraço ela estava lá, de costas pra mim, em pé e olhando pra baixo.
- Marina! – eu estava soluçando.
- Vá embora Guilherme. Nada que você faça vai
desfazer isso.
- Olha, eu sei que fui errado com você. Desculpa!
Eu estava com ciúmes e percebo agora que eu te amo. Sai daí e fica aqui comigo.
- Você ama a Nicole. – sua voz era sombria.
- Não! Eu nunca disse isso. – eu estava me
aproximando dela, fazendo o mínimo de barulho que podia. – Você é tudo pra mim,
está comigo nas horas boas e ruins; você é capaz de me fazer bem apenas com um
sorriso. Eu sei que a pessoa que eu amo é você! Não minto que lutei contra
isso, mas agora percebo que foi em vão.
Ela sabia que eu estava me aproximando e pensei que
ela se jogaria dali.
- Minha vida gira em torno de você Marina, então se
minha vida vai se jogar de um prédio, eu também irei. Você quer isso?
- Você cometeria suicídio por causa de uma ‘louca’
Guilherme?
- Eu cometeria suicídio por você.
Marina virou-se pra mim e sorriu. Ela não estava
chorando, sua face não transmitia emoção alguma e, com um passo pra trás, ela
se jogou.
Eu não queria saber de nada, só queria estar com
ela. E ao vê-la caindo, não parei pra pensar, apenas me joguei pra tentar
salva-la.
E enquanto eu estava caindo, certa música veio à
minha cabeça: “Nunca
deixarei você cair, eu enfrentarei tudo com você pra sempre; eu estarei ao seu
lado apesar de tudo isso, mesmo que salvar você me mande pro céu.”
(Victor Castilho)
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